EXECUÇÃO JUDICIAL, O QUE É?

Angularmente, pensar numa sociedade[1] dentro dos moldes da modernidade é sem dúvida compreender que é impossível engendrar uma estrutura social organizada se não haver um código de conduta que estabeleça direitos e garantias às pessoas. Desta forma, grosseiramente, pode se dizer que o berço do Direito é sem dúvida a necessidade de disciplinar o “homem selvagem” para que possa viver em sociedade sob o prisma da harmonia[2].

Assertivamente, leciona ainda o autor[3] que essas regras imbuídas pelo direito:

(…) orientam a conduta de cada um, para adaptar o ser ao seu meio. Chamam-se também normas (latim norma, régua, esquadro, instrumento de tirar ângulos; figurativamente, regra, molde, exemplo; do grego gnórimos, o que é fácil de conhecer). Elas ditam o comportamento no grupo. Como seria impossível criá-las em número suficiente para abranger todas as atitudes do homem, uma delas se destaca entre as demais: não se exige de ninguém que faça alguma coisa, ou deixe de fazê-la, se não existir uma norma, impondo um ato, ou uma abstenção. Em outras palavras, ninguém pode ser compelido a um fazer ou a um não fazer, não existindo norma que assim determine (…). (Grifos nossos)

Pensando assim segue esse entendimento, Monnerat[4], ao escreve o seguinte:

(…) duas realidades acompanham o ser humano nos diversos estágios do desenvolvimento social, cultural e econômico: a primeira delas, a que o homem vive em sociedade; e a segunda, na verdade uma consequência da primeira, que a vida em sociedade deve ser regulada por meio de normas disciplinadoras de condutas. O Direito surge, portanto, como um complexo de normas de conduta, de caráter obrigatório voltado a disciplinar a vida em sociedade. É nesse sentido que deve ser entendida a máxima “onde está o homem está a sociedade e onde está a sociedade está o Direito”. (Grifos nossos)

Concomitante prescreve por essa razão, Junior[5] a seguinte descrição:

O direito, assim, de um lado, protege-nos do poder arbitrário, exercido à margem de toda regulamentação, salva-nos da maioria caótica e do tirano ditatorial, dá a todos oportunidades iguais e, ao mesmo tempo, ampara os desfavorecidos. Por outro lado, é também um instrumento manipulável que frustra as aspirações dos menos privilegiados e permite o uso de técnicas de controle e dominação que, por sua complexidade, é acessível apenas a uns poucos especialistas. (Grifos nossos)

Entretanto, para Junior[6], “não basta traçar a norma de conduta”, por conta de que “o equilíbrio e o desenvolvimento social só ocorre se a observância das regras jurídicas fizeres obrigatória”. Desta forma, “o Estado não apenas cuida de elaborar as leis, mas, especificamente, institui meios de imposição coativa do comando expresso na norma” na tentativa de disciplinar as relações sócias, buscando, assim evitar conflitos. No entanto, por conta da complexidade social acaba sendo impossível “evitar conflitos de interesse entre os cidadãos, ou entre estes e o próprio Estado, a respeito da interpretação dos direitos subjetivos e da fiel”.

Nesse sentido frisa:

Para regular esse método de composição dos litígios, cria o Estado normas jurídicas que formam o direito processual, também denominado formal ou instrumental, por servir de forma ou instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material ou substancial, que há de solucionar o conflito de interesses estabelecido entre as partes, sob a forma de lide[7].

Isso ocorre, no pensar de Bermudes[8], já que:

(…) a norma predominante nem sempre basta para solucionar todos os problemas da convivência. Imagine-se, com efeito, que João recebesse de José, por empréstimo, um objeto. O tomador não estaria obrigado a restituir a coisa, se não existisse a regra, exigindo dele a devolução. Forçosamente, ter-se-ia de solucionar o impasse porque afrontaria o sentimento de conduta adequada, inato em cada um, que João conservasse o que José apenas lhe emprestara. Na ausência de uma regra aplicável à hipótese em que uma pessoa entrega a outra um objeto apenas por certo tempo, tornar-se-ia necessário concebê-la para a situação concreta.

Assim, entende-se que a posição do Estado[9] quanto à organização social é a de um fundador das condições sociais a composição dos litígios[10] e até mesmo antes disso como agente criador do método que busca repelir esse, por meio do desenvolvimento de normas, por meio de composições legislativas, que conseguem mitigar e/ou prevenir os ultrajes sociais que acabam repelindo a harmonia social.

Pensando assim, então pode se dizer que através dessa lógica a sociedade para que seja:

(…) possível a indispensável vida em grupo, surgem determinadas regras, que ditam a conduta dos seus integrantes. A explicação do aparecimento dessas regras desafia, permanentemente, os que estudam o homem, nos múltiplos aspectos das relações dele, não só com os seus semelhantes, mas com tudo o mais que, próxima ou remotamente, o rodeia. Não parece exato dizer que essas regras têm por causa eficiente apenas a prevenção ou a repressão dos conflitos sociais. Conquanto não se possa negar constitua essa uma razão determinante da criação delas, o certo é que surgiram para organizar o grupo e assim tornar cômoda a vida de cada um, tal como ocorre numa residência, onde se estabelecem práticas, destinadas ao conforto e ao sossego dos seus habitantes (…).

Contudo ainda a respeito do poder do Estado na composição das lides, anota Junior[11]:

Na solução dos litígios, o Estado não age livre e discricionariamente; observa, muito pelo contrário, um método rígido, que reclama a formação de uma relação jurídica entre as partes e o órgão jurisdicional, de caráter dinâmico, e cujo resultado será a prestação jurisdicional, i.e., a imposição da solução jurídica para a lide, que passará a ser obrigatório para todos os sujeitos do processo (autor, réu e Estado). Esse método, que é o processo, naturalmente, não pode ser o mesmo enquanto se procura conhecer a situação das partes e enquanto se busca realizar concretamente o direito de uma delas, alterando a esfera jurídica da outra. A atuação do órgão judicial, por isso mesmo, no processo de conhecimento é bem distinta daquela observada no processo de execução, razão pela qual existem a regulamentação e a sistemática próprias de cada um deles. (Grifos nossos)

Nesse ponto, logo já se percebe facilmente que o papel dos processos[12] arraigados nos departamentos judiciais têm como objetivo, em sua maior parte, a resolução de conflitos que amigavelmente se tornou inviável. Desta maneira, verifica-se que o direito processual é o:

(…) ramo do direito público (ao lado do direito constitucional, do direito administrativo, do direito penal, do direito processual penal etc.), representa o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a jurisdição (função atribuída ao Estado de solucionar os conflitos de interesses), a ação (direito conferido a todas às pessoas, de requerer a solução do conflito de interesses) e o processo (instrumento adequado para a solução do conflito de interesses), criando os mecanismos necessários para permitir a eliminação dos conflitos de interesses (lides, brigas, divergências) que não sejam penais e especiais, como as colisões de trânsito, os desentendimentos entre marido e mulher, apenas para exemplificar[13]. (Grifos nossos)

Desta forma, baseando por esse entendimento leciona que:

(…) o direito processual é um complexo de normas instrumentais instituidoras de um método (o processo) voltado à resolução dos conflitos de interesses, necessário sempre que as normas de direito material não se mostrarem suficientes para tanto, quer porque simplesmente descumpridas, quer por qualquer outro motivo que tenha levado as partes ao litígio. Esta natureza do direito processual, de se ocupar em estabelecer um método de resolução de litígios, leva a doutrina a destacar o caráter instrumental desse ramo do direito, no sentido de ser o processo um instrumento do direito material[14].

Nesse desempenho, entender que o processo é o meio instrumentário que garante e assegura os direitos dos cidadãos, assim, é claro notar que toda demanda arguida em juízo vem sempre precedida – em algum tempo – de uma sentença que impõe a uma das partes um encargo obrigacional, ou seja, há uma condenação a realizar um pagamento, a dar uma coisa – certa ou incerta -, a fazer ou deixar de fazer algo. Diante disso, o agente que deve cumprir a determinação imposta pelo juiz, por meio da sentença anunciada no final da fase de cognição, pode espontaneamente cumprir essa determinação ou recusar a determinação o que, nesse caso, acaba gerando, um novo conflito jurídico entre o credor da pretensão provida na decisão condenatória do juiz e o devedor da obrigação.

Por conta disso, o credor não terá outra saída, já que a autocomposição restará frustrada para a execução da emergente sentença, senão buscar outra vez o Estado para que ele exerça sua jurisdição e reclame ao devedor sua obrigação, reconhecido no ato decisório proferido anteriormente – de modo, voluntário ou compulsório – para com o seu credor, porém para que haja essa nova fase será necessário à propositura de uma nova ação (requerimento) autônoma, mas não para discutir o direito de uma das parte e sim para garantir a execução da decisão final proferida no juízo de cognição que se chama processo de execução. (Bermudes, 2019)

Por esse olhar destaca, Monnerat[15] que a:

(…) decisão jurisdicional, (…) deve ser obedecida e cumprida pela parte, independentemente de sua aceitação, sob pena de execução forçada, isto é, de uso da força estatal para se fazer cumprir o comando jurisdicional. Em razão da imperatividade, a decisão judicial deverá ser cumprida e, em caso de descumprimento, a atividade processual voltar-se-á à concretização deste comando por meio da prestação de uma tutela jurisdicional executiva.

Portanto, a execução civil é a função ou atividade jurisdicional responsável pela satisfação, concretização e realização, no plano material, de um direito subjetivo, obtendo resultado idêntico ou equivalente ao atingível mediante cumprimento espontâneo e voluntário do devedor[16].

Pluralmente, o Código de Processo Civil, dentro dessa sistemática, carrega no seu bojo duas maneiras de exercer a execução forçada da obrigação transgredida, seja pelo cumprimento forçado da obrigação[17], que se constitui através de sentença condenatória (arts. 513 e 515 do Códex) ou, por meio da execução dos títulos extrajudiciais enumerados no artigo 784 e ss do diploma em destaque[18], que neste último caso é onde a pesquisa se baseia.

Assim a imperatividade, da execução no processo civil, neste caso se configura como sendo o mecanismo para gerar a realização ou satisfação de um direito subjetivo já acertado, seja por um título executivo judicial[19] (artigo 515 do CPC) ou extrajudicial (artigo 784 CPC). Logo, o “Estado é parcial. Põe-se ao lado do autor da ação executiva, denominado credor ou exequente, para satisfazer-lhe a pretensão creditícia”, ou seja, o que se busca aqui é a satisfação do direito do “exequente, já constante do título, mas do modo menos gravoso para o executado (art. 805 CPC), que nem sempre descumpre a obrigação pelo deliberado propósito de deixá-la insatisfeita”, afirma Bermudes[20].

Compulsando, é nítido perceber que os procedimentos mencionados anteriormente constituem-se em elementos muito particular e com sua devida conjunção, pregando apenas uma divergência quanto aos prazos, mas para esse estudo, não é necessário realizar uma pesquisa profunda sobre as peculiaridades dos institutos porque o objetivo da pesquisa é estudar a funcionalidade da execução processual cível diante do não cumprimento voluntario da obrigação contida no título.

[1] O homem vive na sociedade (palavra derivada do latim socius, o que acompanha) porque a sua índole, gerada por sua necessidade, é associar-se. Ele, então, se agrupa: a tribo, o clã, a horda, os povoamentos, das minúsculas aldeias às frementes metrópoles, revelam a irreprimível tendência humana à agregação. In Bermudes, Sergio. Introdução ao processo civil. 6. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. P. 23.

[2] BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo civil. 6. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[3] Ibidem, P. 23

[4] MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Introdução ao estudo do direito processual civil. 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 22.

[5] FERRAZ JUNIOR,Tercio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação.10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018. P. 40.

[6] Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil. Vol I. 58. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. Pág. 12.

[7] Idem, pág. 13

[8] BERMUDES, Ob, cit., 2019.

[9] Atua o Estado, na execução, como substituto, promovendo uma atividade que competia ao devedor exercer: a satisfação da prestação a que tem direito o credor. Somente quando o obrigado não cumpre voluntariamente a obrigação é que tem lugar a intervenção do órgão judicial executivo. Daí a denominação de “execução forçada”, adotada pelo novo Código de Processo Civil, no art. 778,8 à qual se contrapõe a ideia de “execução voluntária” ou “cumprimento” da prestação, que vem a ser o adimplemento. In Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil. Vol IIII. 58. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 296.

[10] (…) Só se podem compreender os conflitos do grupo social se se considerar o choque de pretensões; não de pretensões apenas presumíveis, mas atuais, já manifestadas. No contexto das relações sociais, a pretensão (de praetendere, estender diante, pôr diante; de prae, diante de, adiante de, e tendere, estender, apresentar) é o propósito de alcançar um bem qualquer da vida, corpóreo ou incorpóreo (diferente de outras pretensões, que podem surgir no espírito humano, como a de ser bom; de sofrer, resignadamente, as vicissitudes do destino; de viver as bem-aventuranças da eternidade). In BERNUDES, Ob. cit., p. 29.

[11] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Ob. cit., p.. 295.

[12] Processos são “atos ordenados, que se praticam sucessivamente, de modo que ao ocaso do anterior se siga a alvorada do posterior, até que se atinja um objetivo”. In BERMUDES, ob. cit., p. 93.

[13] MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. P 53.

[14] FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio, Ob. cit.,P. 31.

[15] MONNERAT, Ob. cit., P. 75.

[16] BASTOS, Luiz Fernando Pereira. O artigo 139, IV, do novo Código de Processo Civil: a atipicidade dos meios executivos na execução de obrigação de pagar quantia certa, Brasília, 2017. Pág. 15.

[17] Só pode ser objeto da execução o título de obrigação a líquida, certa e exigível, conforme artigo 783 do CPC.

[18] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil. Vol III. 58. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017C.

[19] São títulos judiciais não apenas as sentenças, como os demais pronunciamentos que determinam o adimplemento das obrigações de pagar, de fazer ou de não fazer e de dar, como as decisões que concedem as tutelas provisórias e as tutelas da evidência. (FILHO, 2018 p. 500)

[20] BERMUDES, Ob. cit., P. 112.

 
 

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